Crônicas

A festa

Carlos passava na porta do boteco, nos via loquazes, assanhados, em torno de várias garrafas de cerveja e, muito convencido, atirava lá pra dentro:

- Fiquem vocês aí discutindo Huxley, que eu vou comendo as mulheres.

E seguia pros lados da Bartolomeu Mitre, com cara de songamonga.

O Ivan Garoto era um rapazote que tentava se enturmar, sentando-se à mesa, em silêncio, sorvendo seu samba-em-berlim, acompanhando com atenção as animadas polêmicas; nas raras ocasiões em que surgia uma brecha, levantava o braço como a saudar Hitler e berrava:

- A morte é a musa da filosofia!

Dito isso, voltava à beberagem, com ares modestos, cioso de suas responsabilidades de homem que se coloca acima dos acidentes da vida. Pois foi a esse aristotélico mancebo que, na manhã de um sábado de festas, confiamos a espinhosa missão de espionar o famoso casanova, com a expressa recomendação de não o largar aonde quer se metesse. Em seu relatório, o muso denunciou que o maganão do Carlos tinha entrado nas dependências do Jockey Club, de lá saindo uma hora depois, cabeça baixa, maldizendo o azar, falando sozinho, engazopando a si próprio com desculpas esfarrapadas.

Mesmo com o façanhudo desmascarado, seu provocativo "vou às mulheres" nos desconcertava. Algum felizardo menos boquirroto, naquele exato momento, numa quitinete qualquer de Copacabana, estaria, efetivamente, abatendo uma lebre. Então, para encobrir as frustrações, púnhamo-nos todos a mentir descaradamente, jactando-nos de êxitos particulares ou de amigos e difamando brotinhos ingênuos e insuspeitíssimas senhoras. Fantasiávamos (já esquecidos de Huxley); alguns alardeavam familiaridade com a célebre Verinha, da pinta no rosto, que, a exemplo de uma personagem de Cassandra Rios, apregoando padecer de uma espécie de catalepsia, simulava profundo torpor e, em hábitos menores - lasciva e calipígica, ...

 

 

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