Crônicas
Cinema
No dia em que estreou o filme Ao Balanço das Horas, no Cinema Leblon, a Regina - já casada com o Carlinhos e grávida do primeiro filho - foi barrada pelo austero gerente, porque parecia garota e estava sem documentos que a identificassem. Os lanterninhas locais, que também não eram meras figuras decorativas, reprimiam certas atitudes inconvenientes, como pôr os pés sobre o encosto das cadeiras, ou, mesmo, carícias mais ousadas, sem pejo de lançar sobre os pares de pombinhos o archote moralizador de suas lanternas. Só não conseguiam evitar eventuais explosões de poderosas cabeças-de-negro, estrategicamente colocadas sob as cadeiras e nas caixas de descarga dos banheiros, bem como impedir os estragos causados pelos ovos pintados de preto, fixados nos assentos com fita isolante, nem os efeitos desagradáveis dos barbantinhos cheirosos e assemelhados. Faltava-lhes, ainda, treinamento especializado para inibir a ação das pulgas anabolizadas que travavam ferrenhos combates com os espectadores, mas não se pode negar que eram atuantes (lanterninhas e pulgas), como não os há hoje em dia.
O filme em questão, em seu título original, consagrava a música Rock around the clock, carro-chefe do repertório da banda Bill Halley and his comets, e o próprio rock-and-roll como opção musical que começava a ganhar o mundo naqueles anos dourados. A avant-première aconteceu num domingo ensolarado de verão e atraiu uma multidão muito superior ao número de ingressos postos à venda, gerando uma confusão dos diabos, com os barrados promovendo animado sururu, cuja intensidade ia aumentando à medida que os participantes se abasteciam de cerveja no Clipper, bem em frente ao cinema.
Como fossem raros, então, os eventos festivos e andassem longe as folganças carnavalescas, muita gente aproveitou a oportunidade para improvisar fantasias de beduínos, ciganos e tiroleses, resultando o lançamento numa inesperada e surrealística concentração de tipos exóticos e sujeitos embriagados, que terminou por degenerar em troca de sopapos, sem que as partes litigantes atinassem com a causa das hostilidades, salvo alguma antiga e sublimada querela entre o império austro-húngaro e os povos árabes que habitavam o Saara.Visto de fora, o tumulto poderia ser atribuído à influência exercida pelos...