Crônicas

O mergulhão

Meto uma bala na cabeça e vou me
encontrar com a Zezé no paraíso.
(Otto Blumbel)

No dia seguinte ao Sweepstake, os jornais menosprezavam a vitória espetacular do azarão que o Otto cravou. O principal matutino, em sua capa, destacava, em letras garrafais:

"TURFISTA ALMOFADINHA CHAFURDA NO LODAÇAL"

O texto esclarecia que o bacharel Otto Blumbell, aficionado das corridas de cavalo, tinha sido acudido por populares após cair no canal da Av. Visconde de Albuquerque, turvo e caudaloso em razão do violento temporal que assolava a cidade havia setenta e duas horas.

Seus salvadores declararam à polícia e aos bombeiros que o náufrago trazia os olhos injetados e tresandava a álcool tão fortemente, que nem o cheiro das imundícies que emporcalhavam o seu rico terno de linho conseguia disfarçar. De acordo com o porteiro de um prédio próximo, que a tudo assistira, o dândi cambaleava antes da queda, visivelmente embriagado, e teria tropeçado num ressalto da calçada segundos antes de mergulhar na enxurrada.

Aos presentes, disse Otto que realmente tinha exagerado na comemoração da vitória de seu escolhido, mas que a queda fora provocada por um carro que tinha derrapado e batido no meio-fio, assustando-o, e jactou-se de ter vencido a violência da correnteza graças às suas próprias forças, esquecido de que fora puxado pelos pés em presença de numerosa platéia. Um dos membros da operação de regate, indignado com a torpeza, ameaçou dar-lhe pancadas, pela ingratidão. Otto, prudentemente, retirou-se.

Desde garoto, esse elegante e eficiente funcionário público - sem embargo de tais virtudes - entregara-se a dois vícios: à excessiva ingesta alcoólica e à imoderação do jogo. Quando não estava no bar, andava pela rua estalando os dedos e falando sozinho, fustigando...

 

 

Voltar à página de crônicas.