Crônicas

O sepulcro do pudor

Cinzas, somente cinzas, dos costumes,
da moral, da decência pública ...

As depravadas folganças do deus Momo, herdeiras das saturnais que se realizavam na velha Roma, mais uma vez instalaram em nossa cidade os desvarios profanos que transformam o homem, filho de Deus, em filho de Satã. O Rio foi convertido numa enorme arena de um Coliseu moderno, numa festa grosseira, desabrida e intemperante, em que todos são entregues às feras, todos se tornam feras, chafurdando na orgia, refocilando na lama ignominiosa do pecado.

Vimos uma bacanal que precipita o bonus pater familias do auge da prosperidade no opróbrio da mais afrontosa devassidão. Carnaval lúbrico, em que o corpo da mulher perde-se nas ruas e a compostura do homem rola nas sarjetas. São desejos brutais: é carne em plena voluptuosidade; o festim dissoluto da podre burguesia.

O tempora! O mores!

Que diversão é essa, senhores agentes da lei? Não se pode admitir que tanta baixeza tenha escapado aos olhos das autoridades, revelando aos nossos visitantes um retrato falso de nossos hábitos e costumes, comprometendo a reputação da família brasileira. Que tem a dizer a Delegacia de Costumes e Diversões?

Onde andam pais e mães?

Que é isso, senhores pastores de almas de todas as religiões? Nem a Santa Madre Igreja logrou subjugar a incontinência dos foliões e dar ao báculo de Sua Santidade a vitória decisiva dos fiéis amigos de Jesus sobre os estróinas e desembestados súditos do Canhoto. O espírito do Mal deu de ombros ao clero, à pompa litúrgica. Quanta perdição de almas ao desamparo das crenças e dos preceitos religiosos! E tripudia o Tinhoso!

Todos acompanham o enterro da moral e dos costumes. Cumpre-se um ritual diabólico: um velório feérico nos mausoléus rotos da vergonha. Consumida num descomunal alcoice e sacrificada com estardalhaço no desenfreio da lascívia, a cidade rende-se. Quem não tem...

 

 

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