Opiniões

Antônio Olinto (Academia Brasileira de Letras, na orelha de O olhar matreiro do serafim)

Há uma larga faixa no uso da palavra para atingir a comicidade, o humor, a ironia, o jeito chulo de retratar situações, a inesperada iluminação de um trocadilho ou a anedota pura e simples, escrita ou falada. O que faz rir pela encenação, pela presença bufa de um ator, de um palhaço em frente à sua platéia, de um bobo do rei perante o trono tem todos os recursos do que se vê, do exagero dos gestos, dos tombos inexplicáveis. A comicidade pura verbal, posta num papel, numa página de livro, numa crônica de jornal ou num conto que se prende na palavra escrita e não na busca do aprimoramento do gesto eis o terreno do escritor que narra em silêncio. É nesse terreno que Rogério Barbosa Lima revela seu talento e sua originalidade.

Os contos de O olhar matreiro do serafim são de uma primorosa precisão ao descrever acontecimentos cômicos, no empregar palavras capazes de elevar o sentido cômico de um trecho da história, de tal maneira que a leitura de seus contos provoca um benfazejo estado de enlevo literário. Em Doutor Aristófanes, por exemplo, "eminente magistrado, inspirado tribuno", o contista narra uma viagem inesperada em que toda a família e amigos se esmeram em ajudar o "eminente parecerista" a pegar um trem às cinco da manhã, trem que permanece aguardando o ilustre passageiro. Eis que seu irmão aparece diante de todos, e o narrador entra nestes detalhes: "Quando Eurípedes assomou ao umbral vestindo uma camisola de flanela que lhe descia até o meio das canelas de cambaxirra, calçando largas e esfiapadas pantufas que lhe acentuavam os gambitos, com os cabelos ralos e descuidados formando um curioso xuca-xuca em espiral, à moda dos bebês, contrastando com a figura hierática, doutoral do dia-a-dia, essa teatral e cômica aparição provocou gargalhadas nas mulheres e frouxos de riso nas crianças e nos adolescentes".

É nesse estilo de largo ritmo e nessas descrições minuciosas, com as palavras certas em cada novo torneio da narrativa, que Rogério Barbosa Lima chega a uma comicidade lépida, capaz de mostrar os lados ocultos de uma situação. E estas são muitas, desde cenas de futebol (um jogo de 1940, Fluminense 2 x 1 América) até espetáculos de ópera, lembranças de versos de Augusto dos Anjos, no meio de cenas em que um primo do personagem, "careca e corcunda", juntamente com um paraplégico e um bêbado, e transeuntes que resolviam entrar na caravana, que era carnavalesca, formavam o que a turba em volta chamava de "a armada brancaleone".

O olhar matreiro do serafim entra em nossa contística trazendo consigo uma segurança que dá a Rogério Barbosa Lima uma posição ímpar na ficção brasileira deste começo de século.


Carlos Dantas (jornalista e crítico de música erudita), em resenha sobre o livro citado, intitulada Evocação de um Ícone

Não é um livro de ontem. Quatro meses faltam para completar um ano de seu lançamento (Editora Antigo Leblon). Ora, o dadaísta Hans Arp afirmava que "só os imbecis e os professores espanshois se preocupam com datas" (Dada au grand air. Tyrol, 1921).

Sem tamanha veemência, o que verdadeiramente conta é o aqui e o hoje a respeito de uma publicação repassada de vigor e entusiasmo por uma figura de certo a mais icônica do canto lírico nacional: Paulo Fortes.

Ainda que declarando ser-lhe escassa a tecnologia fundamental da música e mesmo sublinhando sua nenhuma assiduidade a espetáculos voco-dramáticos, Rogério Barbosa Lima ao assinar o atraente trabalho biográfico que tem por título Paulo Fortes, um brasileiro na ópera instalou-se, em definitivo, como um eficaz colaborador na expansão de nossa bibliografia musical.

A propósito, Andrade Muricy muitas vezes lamentava a pauperidade das edições de música no Brasil. Apontava algumas monografias de real mérito, tal ou qual compêndio, umas poucas coletâneas de artigos, tão somente. Nenhuma obra de estruturação tangível, duradoura.

Houve mudanças nesse deserto "grafosférico" (como diria Antônio Houais). Apareceram, por exemplo, Francisco Manuel da Silva e seu tempo, dois volumes densos sobre o autor do texto venerável do Hino Nacional, admiravelmente trabalhados por Ayres de Andrade; também preciosas pesquisas acerca do Padre Mestre do Brasil Colônia, José Maurício Nunes Garcia, desenvolvidas pela maestrina Cleofe Person de Mattos e o opulento (671 páginas) volume versando sobre Camargo Guarnieri, organizado por Flávio Silva — para citarmos algumas cúspides visíveis de qualquer horizonte.

Não ficará, insistimos, sem lugar de relevo na memorialística da arte lírica de nosso País o livro de Rogério Barbosa Lima, o conjunto de relatos vivazes e, mais que tudo, a originalidade de sua ordenação o que nos traz flagrante, viva, a personalidade midiática do barítono Paulo Fortes. A começar que o próprio cantor se faz de autobiografado. Desde os apontamentos cartoriais de sua vinda ao mundo, mais a ancestralidade repercutida na alentada onomástica (Paulo Gomes de Paiva Barata Ribeiro Fortes) — o que logo implicou uma copidescagem ajustável às dimensões de um cartaz de teatro — depois as primeiras travessuras, o despertar da vocação para o canto, lições iniciais, o encontro decisivo com a lendária Gabriella Besanzoni Lage, estímulos do maestro Santiago Guerra e — enfim — e estréia na Traviata. Foi o marco inicial (aos 22 anos de idade) de uma carreira artística que iria, sem interrupção, projetar-se num recorde de 87 personagens diferentes em 330 récitas no Theatro Municipal.

Rogério Barbosa Lima aí confere ao livro a dinâmica de jornal e promove um ping-pong com Paulo Fortes. Ao longo da entrevista é pormenorizado o roteiro ascensional operístico em seqüência à Traviata, as digressões no Brasil e no exterior, flashes da vida em família e do encontro com celebridades mundiais, sem faltar uma radiografia da vivência administrativo-musical do Municipal. É o momento em que Paulo Fortes aparece particularmente éblouissant comme esprit. Sua verve é um regalo para o leitor freqüentador do nosso principal teatro.

Longe estão estas nossas anotações de um projeto de resenha de Paulo Fortes, um brasileiro na ópera. O livro é um copiosíssimo acervo de informações às quais não faltam a atuação do saudoso barítono em rádio, cinema, televisão, discos, teatro dramático, shows, serestas, revistas musicais. Verdadeiramente uma existência artística de poliedricidade exitosa, única neste País. Sem falar na figura humana admirável, perfectus amicus. A mais notar o que a obra exibe em termos de ilustrações, fartíssimas e de valor documental. Depoimentos de personalidades do mais vivo prestígio em nosso mundo artístico-cultural, reflexos da crítica especializada, listagem de láureas e homenagens, repertório e apresentações, bibliografia e índice onomástico. O volume totaliza 291 páginas.

Num comovido e breve capítulo intitulado Cai o pano, Rogério Barbosa Lima registra a coda, o encerramento da carreira de Paulo Fortes — "honra dos cantores líricos do Brasil". Por sinal que neste mês de janeiro, dia 9, transcorreram oito anos desse encerramento. Rogério Barbosa Lima acentua: "a morte foi lustração, sagração, perdão e apoteose".


Domingos Paschoal Cegalla (Filólogo, tradutor, dicionarista, professor)

“Estou lhe agradecendo o envio de um exemplar de sua “Novíssima Gramática do Velho Português, na qual adota o lema de comédia satírica Castigat ridendo mores. O que me surpreendeu foi você ter deixado as floridas e frescas paragens da literatura para penetrar no árido terreno da gramática. Mas saiu-se muito bem. Farpeou sem dó os políticos corruptos e as mediocridades reinantes, nesta nossa época sôfrega de dinheiro. A leitura do livro é demorada porque temos de parar a cada página para dar boas risadas. Assim, além de instruir e divertir, a leitura de sua obra é excelente remédio contra as tristezas que diariamente nos afligem...

Na expectativa de novas criações literárias de seu gênio criativo, abraça-o, agradecido, o amigo de longa data.”


Artur da Távola (escritor e jornalista)

Rogério conhece esquinas, mistérios, clamores e a poesia profunda do Rio, um de seus melhores cronistas... um desses danados que escreve (melhor) o que gostaríamos de escrever...


Cora Ronai (cronista e jornalista)

Rogério Barbosa Lima fez um site que é para matar qualquer carioca de saudade e tristeza: Antigo Leblon, uma aldeia encantada. São depoimentos, crônicas, fotos e até filipetas dos tempos em que Copacabana era o centro da ação, o Cinema Miramar ainda existia e o Leblon não passava de um areal muito distante.


Luiz Paulo Horta (jornalista e crítico de música erudita)

Com o subtítulo "Um brasileiro na ópera", Rogério Barbosa Lima escreveu e está publicando uma biografia do saudoso Paulo Fortes, nome que era sinônimo de ópera no Brasil. Com sua musicalidade e seu belo aparelho vocal, Fortes marcou as temporadas brasileiras a partir dos anos 40. Partiu da ópera tradicional e chegou à música contemporânea, sempre com o mesmo desembaraço. E sendo uma estrela da ópera, era ao mesmo tempo a mais cativante das personalidades. É bom reencontrá-lo, cheio de vida e de histórias, nesse livro que merece ser lido.


Sérgio Cabral (jornalista e escritor)

... Todas as linhas acima servem apenas de base para dizer o seguinte: adorei ler as crônicas de Rogério Barbosa Lima porque tive a sensação de que bati um papo delicioso com ele na mesa de um velho botequim do Rio de Janeiro (e com chope da melhor qualidade), do gênero Bar Luís, Bar Brasil ou Bar da Lagoa. Deliciei-me com suas histórias, cujos personagens parecem velhos conhecidos mas que, no evento, povoam pela primeira vez as páginas de um livro. Páginas, por sinal, que valem pela forma e pelo conteúdo, ou seja, valem pelo que está escrito e pelo estilo do autor, pois se há uma coisa que Rogério sabe fazer é escrever.

Convido, assim, o leitor a percorrer cada linha deste livro com o sentimento de quem entra num daqueles bate-papos dos quais nunca mais queremos sair.


Sérgio Fortes (cronista)

Cumpro o ritual das tardes de sábado e visito a livraria Letras & Expressões, no final do Leblon, para verificar se existe alguma novidade em matéria de revista de automóvel antigo.

Normalmente sou prático e vou direto ao assunto, ou seja, à prateleira em que estão estrategicamente dispostas as vistosas publicações que têm o dom de esvaziar os bolsos dos antigomobilistas mais arrojados.

Num desses sábados devo ter cumprido esse trajeto de forma menos acelerada do que o normal. Antes de chegar à indigitada prateleira, tive minha atenção voltada para um pequeno livro, portador de um título mais do que atraente: O Antigo Leblon — uma aldeia encantada.

Morador do bairro nos anos cinqüenta, não resisti ao irresistível e comecei a ler o livro tão logo cheguei em casa. Impossível parar. Percebi que havia adquirido uma carga perigosa de emoção e saudades, não avaliada em toda a sua dimensão quando inspecionei a obra ainda na livraria. Nelson Rodrigues diria que o colecionador de automóveis antigos é um saudosista profissional. Posso assegurar que saudosista do Leblon é pior ainda. E, para esses, o livro de Rogério Barbosa Lima é nitroglicerina pura.

De que trata a obra? O tema é o Leblon dos anos quarenta e cinqüenta. Uma coletânea de crônicas sobre a gente simples e divertida que habitava um recanto paradisíaco, definido pelo autor como um bairro muito bacana, em que se jogava bola o dia inteiro e o resto do tempo era curtido na praia. Praia em que os bondes circularam até 1938, ano em que uma ponte foi construída sobre o Jardim de Alá para ligar a Visconde de Pirajá à Ataulfo de Paiva.

O autor confessa seu objetivo de matar saudades, suas e de seus amigos e contemporâneos. Saudades do time do Grêmio, imbatível nos campeonatos disputados nas praias de Ipanema e do Leblon, onde despontavam craques do quilate dos irmãos Ronaldo e Ricardo, dos beques Chiquinho e Almir, dos atacantes Eurico ´Louro` e Mauricinho e dos fantásticos goleiros China e Godofredo Formenti, o ´Godô`, filho do célebre cantor e pintor Gastão Formenti, um dos primeiros moradores do bairro.

Mais jovem do que os citados, o autor quase omite que foi ele, também, juntamente com seus irmãos Ronaldo e Ricardo, um expoente daquele time extraordinário, que somente encontrava oposição consistente em dois esquadrões alienígenas: o Ouro Preto, de Copacabana, onde se destacava o craque Raphael de Almeida Magalhães, e o Guaíba, da Urca, onde despontava Paulo Tovar, que chegou a ser reserva de Zizinho na seleção brasileira.

Entre as figuras destacadas no livro encontram-se a professora de ginástica Yara Vaz, que chegou ao Leblon em 1937; Luís Cirandinha, mestre na arte de surrar doze policiais por vez; Jair Banhista, guarda-vidas no final da praia de 1949 a 1986, quando se aposentou em meio a uma festa que durou uma semana; Seu Rui, pioneiro do comércio no bairro, onde instalou sua histórica Casa Estrela no n° 595 da Ataulfo de Paiva, entre muitos outros.

O talento com que Rogério Barbosa Lima tratava a bola de futebol de praia foi devidamente transferido para este delicioso livro. Uma viagem ao passado, o reencontro de uma aldeia encantada que alguns privilegiados puderam conhecer. Para os jovens de hoje, como o autor ressalta com propriedade, uma questão de ficção literária.