Crônicas

Praia do Pinto

Desde seus primórdios, o Leblon caracterizou-se pela função residencial e pelo contexto social heterogêneo, com acentuada predominância da classe média, que chegou junto com o bonde, atraída pelos preços razoáveis dos lotes, pela praia e pela beleza paisagística.

Igualmente sensibilizada por essas virtudes, e porque a ocupação de Copacabana se adensava, representantes do segmento mais abastado, que fugiam do atropelo da cidade velha, vieram construir residências mais apropriadas ao seu conceito de civilização e estilo de vida, estabelecendo-se preferentemente à beira-mar.

A vizinha Gávea, que se viu servida mais cedo por transporte regular e beneficiada por água em abundância, foi o local escolhido, na Zona Sul, para a instalação de umas poucas indústrias: a tiracolo, proletários que se espalharam pelas redondezas, acomodando-se como Deus mandasse.

Por volta de 1935, a Cia de Terras do Leblon, da família Gomes de Mattos, loteou o terreno correspondente à Chácara do Céu, na encosta do morro Dois Irmãos, por trás do Hotel Leblon, e o conglomerado humano ali abarracado foi transladado para um sítio próximo à lagoa e ao campo do Clube de Regatas do Flamengo (inaugurado em 1939), originando a favela da Praia do Pinto, que acolheu parte daquele proletariado e, mais tarde, imigrantes nordestinos e outras gentes igualmente humildes, constituindo um amontoado de casebres de madeira e lata, sem higiene, conforto ou água, e com dejetos correndo livremente por valas e sulcos cavados no solo do antigo areal. Esse ajuntamento viria a desaparecer nos anos sessenta, em conseqüência de incêndio atribuído a mentes inescrupulosas e mãos criminosas, dando lugar a um conjunto de edificações hoje conhecido como Selva de Pedra.

Entre as camadas sociais que repartiam o bairro no início da segunda metade do século, preponderava a classe média, e tocou-lhe implantar, intuitiva e experimentalmente, um código de disciplina à sua conveniência, com normas um tanto ambíguas e eufemísticas para mascarar a supremacia natural decorrente de sua expressiva superioridade numérica, todavia sem as cláusulas peçonhentas e o pretorianismo do appartheid clássico. Os cânones foram...

 

 

Voltar à página de crônicas.