Sócios - Opiniões sobre Érico Braga Barbosa Lima

Eliana Yunes, professora da PUC-Rio de Teoria Literária e coordenadora da Cátedra UNESCO de Leitura / PUC-Rio, sobre Cenas de Mortes Vulgares

"Você não vai ler, assim, de soslaio, leitura transversal, dinâmica, o livro que abre, curioso. Desde a capa, está tudo fora-de-lugar. Anime-se, pois o convite é para desler o costumeiro, o ordinário dos versos comportados. Nem procure a seqüencia das cenas ou o sentido oculto das palavras. Ele está na superfície, na desconstrução das expectativas tíbias. De propósito, a palavra dança no branco, o verso, na página, o poema, no livro, e tudo são interações múltiplas, de saberes cruzados na memória.

Poesias, geometrias, músicas, filosofias artimanham-se em rede, sem ponto de partida ou de chegada que não seja o seu, leitor, que de leituras é todo feito esse livro, leituras em todas as direções cardeais sem que um centro fixo as oriente.

Contudo, nada de poesia meramente cerebral, apesar da invenção formal e léxica, muitas vezes. O poema é misturado ao cotidiano do século e tramado nos jogos de imagens pré-sentidas, e-motiva linguagem de quem não se peja de versos longos e palavras sujas, em que pese a limpidez do efeito. Pois há versos delicados, por econômicos e os há excessivos por jorro incontinente do que, começando, não se pode deter: a fala desanda em des-compassos rítmicos, intumesce, explode em supernova ou implode em poema.

Por todos, em toda parte, um gosto mallarmaico apesar de baudeleirianas ressonâncias e a sombra de Augusto dos Anjos, com certeza, assumido gosto pelo efeito, profundidade à superfície, aparecendo.

Érico, que saltou das relatividades matemáticas às letras sem metafísicas, arrisca no poema a ciência sem fronteira da vida intertexto; trans-tudo. A poesia é viva."

Paulo Bauler , poeta, escritor e mestre em Estudos da Literatura, para Cenas de Mortes Vulgares

Um franciscanismo para a pós-modernidade

"Com a queda inapelável das bastilhas do pensamento humano, que tanto empestearam o século passado, e o conseqüente desmascaramento das patrulhas ideológicas de todo naipe, a sociedade pós-moderna abre as pandoras da pluralidade e, para o bem e para o mal, somos uma humanidade feita de humanidades. Há, decerto, uma correlação desses inícios de século XXI com as renascenças dos finais da Idade Média, de Dante, Petrarca e Boccaccio, a Camões, Cervantes e Shakespeare: ou seja, o desabrochar do romance e da poesia lírica, o ocaso do romanceiro e da epopéia. O romanceiro ainda se reduziu e aperfeiçoou na música popular, a epopéia - dizem - morreu. Morreu porque, às facilidades das literaturas pós-modernas (onde se sobressaem, entre todas, as artes imagéticas), segue-se às dificuldades de recepção do poema de fôlego, do poema que deixa a poesia aos espaços vazios dos imaginários todos, e expressa seus temas em linguajar comum, aos modos narrativos, remetendo o receptor à poesia que nele já se encontra. Era assim em todas as epopéias, em que os mitos já eram parte do imaginário comum, em que as métricas davam forma ritual, em que a poesia vinculava-se diretamente à crença dos mitos. Se é verdade que ninguém mais consegue ler Homero, Dante, Milton, encaminhados à erudição e ao interesse acadêmico, fato é que a mitologia, a forma e a poesia neles contidas exigem do leitor a dedicação de um amante por sua amada, a Literatura. Na pós-modernidade, que uns tantos atacam, outros mais ignoram, são outras as construções mitológicas, outras as formas rituais, outros os portais para a poesia (A poesia está sempre para além do poema). Lembremo-nos, com Carpeaux, que o Renascimento foi em verdade um feixe de renascimentos, fruto direto dos franciscanismos da Idade Média onde, ao romantismo libertador, de natureza mística, aliava-se o desprendimento dos luxos formais, em que os valores eternos do humano ligavam-se direta e inexoravelmente ao fazer artístico, independentemente, e até contra, a prepotência das formas seculares. Outra coisa não é a pós-modernidade, com a única diferença de que à amplitude de culturas, ora aproximadas pelas tecnologias todas, segue-se uma amplitude de possibilidades estéticas (e morais) que ainda - é mister compreender - estamos às primeiras navegações.

Este primeiro livro de poemas de Érico Braga Barbosa Lima, poeta experimentado no cotidiano do seu ofício, possui aquela mesma natureza epopéica dos antigos, mas aos modos pós-modernos, ao realizar essa aventura de exploração do universo poético no cotidiano da pós-modernidade. E o faz com a bravura e a inocência dos primeiros navegadores: não busca nenhuma Ítaca, não anseia por nenhuma Penélope; não ama beatrizes, nem julga ou manda aos infernos e purgatórios nenhum dos mitos literários de sempre; não busca reunir poeticamente mitos e valores, estéticos e morais, ou adaptar a um só tempo o discurso do humano às exigências da organização social. Érico não busca realizar, ainda, a grande obra literária, se é que isso será possível, ou mesmo devido, nesses inícios de milênio. Nem as minimiza, as ágoras; sem ser minimalista, não arreda de si os cânones - e a mera leitura do título mostra isso - por saber que o fazer literário é ofício de bravos. Apenas parte. Do cais da sua humanidade, do seu espaço, do seu tempo. Velocidade cruzeiro, mão firme no leme. Cada poema é uma descoberta, uma fé poética, um verbo para si, para seus contemporâneos, para o imenso e infinito kosmos da poesia por detrás de um cotidiano cheio de mazelas, prosaísmos, perplexidades. Seu despojamento é intelectual, seu mito é o humano real, seu romantismo é a fé no fenômeno poético, numa renascença pós-moderna, oração informal, tanto quanto sincera, ao divino; que só por compreensão poética pode nos habitar coração, mente, genitália. E é isso que este livro é: uma epopéia pós-moderna do eu e dos outros eus; um franciscanismo para a pós-modernidade, um construtor de renascimentos. Inapelavelmente, pelos modos estéticos que anuncia, este não é apenas mais um livro de poemas. É poesia da boa. Dessas, que valem a pena encontrar."

Henrique Rodrigues, poeta, jornalista e mestre em Literatura Brasileira, sobre Cenas de Mortes Vulgares, em resenha publicada no J.B. Idéias.

A poesia enquanto retórica da liberdade

"A idéia de caos, tão difundida e até venerada na contemporaneidade, pode se manifestar de forma grandiosa nas expressões artísticas de um modo geral. A literatura, na concepção de instrumento reordenador do mundo, traz para si a função de retratar - não refletir, pois que não é representação, mas simulação - as pulsões sócio-históricas que se apresentem nessa faceta desordenada.

O espaço poético, sendo encarnação máxima da condensação estética da linguagem, traduz a vivência do homem nesse início de milênio caracterizando-se fundamentalmente pela noção clara de lacunas dispersas a serem preenchidas - e a conseqüente necessidade de se criarem novas lacunas. É o que se percebe na leitura de Cenas de Mortes Vulgares, do carioca Érico Braga Barbosa Lima. O primeiro livro desse professor que desistiu da Engenharia e optou pela Literatura traz à superfície da página um conjunto de poemas carregados de vigor.

Érico é um dos fundadores do grupo Poesia Simplesmente, que há cerca de oito anos vem produzindo e apresentando espetáculos e festivais de poesia em diversas cidades fluminenses. Essa militância poética, que promove a verbalização do texto para públicos diversificados, parece ter exercido influência nos versos de Érico, uma vez que se percebe nos poemas uma forte vertente declamatória. Como já disse Heloisa Buarque de Hollanda, trata-se de uma geração que vem buscando ampliar o consumo de poesia por meio de apresentações em espaços formais ou alternativos, democratizando as possibilidades de experimentação da poesia falada.

Diferente da geração marginal, que passava ao largo do establishment, negando-o e atacando seus meios de produção, hoje é como se esses questionamentos viessem de dentro do próprio sistema, visto que os poetas atuam profissionalmente nos ambientes acadêmicos e jornalísticos, vivendo em horário comercial experiências que serão transfiguradas no exercício crítico da escrita literária. A consciência de ser parte do jogo confere ao poeta uma espécie de missão libertadora das (o)pressões diárias.

Esse veio libertador está presente em Cenas de Mortes Vulgares. O belo projeto gráfico confere à obra, já na capa, um sentido vulcânico que irá irromper ao longo de todo o texto. A partir da (des)estrutura das partes apresentada no sumário, supõe-se que a leitura seja feita sem quaisquer critérios de linearidade. De fato, o afastamento de regras parece ser o élan da obra, cujo movimento de desconstrução das formas fixas se alia aos questionamentos das tradições autorais e institucionais: E o que é Academia/ senão o que se esgota/ e somente pra si se basta/ bastando a bênção da idéia gasta.

O autor estabelece, a todo tempo, relações entre a poesia e a vida diária, especialmente no que se refere àqueles indivíduos que exercem influência na constituição do poeta: Gosto dos meus/ que não falam poesia, que não/ gostam de poesia, que não entendem/ nada da minha ou de qualquer poesia,/ mas fazem em mim a poesia/ não transubstanciada em qualquer lauda conhecida. O sentido de despojamento, porém, não exime a obra de uma profunda erudição e apuro no trabalho com a palavra. Nota-se um parentesco temático - e mesmo léxico - de Augusto dos Anjos, poeta no qual Érico é especialista, mas sem apresentar a consagrada angústia da influência, como já aponta Roberto Pontes na orelha. As cenas de morte a que se refere o título transcendem o sentido telúrico rumo à possibilidade de renascimentos.

E por ser poesia viva, clara e esfuziante, Cenas de Mortes Vulgares é leitura recomendável para aqueles que vêem na literatura uma das formas de manifestação libertadora. E a voz expressiva, seja na leitura falada, seja na silenciosa, tem papel fundamental nesse processo, como atesta o poema O Louco do Hortifrutigranjeiro: por um e noventa e nóvi tudo se vendi no mundo/ sem essesssão ou contratempu Mais êxxxte microfone não/ esse eu num vêndu// e ninguém me tira da mão!"

Paulo Bauler, poeta, escritor e mestre em Estudos da Literatura, na apresentação de Estilhaços de Babel

"Se suas mãos, como se fosse puro acaso, retiraram da estante este livro de estilhaços, não titubeie: vá direto ao caixa, compre seu exemplar, e siga seu destino com a certeza de que não precisará de nenhum outro livro enquanto não restarem decifrados estes Estilhaços de Babel.

Pois se todo livro de poemas é, de fato, um romanceiro, no viés pós-moderno de se saber a poética de um autor, seu tempo, seu lugar, no caso desses estilhaços, os gêneros romance e poesia encontram-se em casamento mais-que-perfeito. Nesse sentido, pode-se afirmar, seguramente, ser este um dos raros melhores momentos da poética brasileira nestes dias que correm turbulentos no mundo, no país, na cidade, no bairro, nas ruas.

Turbulência essa, na qual pesa a violência explícita que campeia no furor das individualidades descompromissadas de tudo que não sirva ao Leviatã dos Dinheiros, muito mais oprimindo nas almas do que propriamente nos físicos, em que os ideais de liberdade são reduzidos a simples possibilidades de consumo, numa cultura trancada a sete chaves de podres poderes.

Aqui você saberá, aliás, atingirá os níveis mais profundos, o âmago mesmo dos males deste novo século que, em verdade, ainda se esforça por começar. Este livro não propõe soluções, nem sequer se preocupa em denunciar nada. Não se exprime por opções morais - ou imorais, ou amorais - porque tudo que importa é descer aos subterrâneos, como um Dostoievski da contemporaneidade, em busca das essências da Loucura que sufocam tanto os indivíduos quanto as sociedades. E se o faz, vai de peles grossas, imune a sutilezas e finesses, isento de sensibilidades e delicadezas que possam, em águas espessas de lodo e esgoto, acovardar o poeta no enfrentamento de eros versus o cancro que nos corrói os pensamentos, as emoções, as sexualidades. Se o poeta espanca ícones e bons-mocismos de uma cultura que já nos provoca náuseas - de tão repetitiva, insistentemente repetida, engaiolada em objeto de consumo de massas, que se traduz em tristes poderes sobre essas massas, náuseas essas que se estendem até mesmo às críticas dessa cultura, de tão repetidas, de tão engaioladas, de tão traduzidas -, ele não o faz para quebrá-los, destruí-los, dobrá-los, até porque isso seria trabalho para filósofos (se ainda os houver).

O que pretende é encontrar, em meio aos estilhaços e poluentes das águas puras da alma humana, essa mesma pureza, que adivinha, em meio a tanto chafurdar no superficial e no grosseiro. Para tanto, equipara-se a Sade, violentando e torturando as Justines da poesia brasileira bem-posta. Faz-se de Gregório de Matos, torna-se outro Boca do Inferno, com a virulência e a impiedade que caracterizam a matéria dantesca do deixai toda esperança, ó vós, que entrais - advertência que bem se aplica aos leitores que pecarem por levianas superficialidades, presos apenas à verve bocagiana dos chulos de herança lusitana. O leitor mais atento reconhecerá parentesco com o simbolismo de Augusto dos Anjos, e esta talvez seja a primeira aproximação que se deva ter dos versos de Érico Braga, para que não se escape o oxigênio dos escafandros... Muna-se ainda das lentes de um Henry Miller, de um Bukowski, e o leitor poderá, com sorte e coragem, encontrar a poesia para além, para muito além das palavras, como uma flor baudelairiana a exibir o belo que nos atrai a todos, simples humanos, aos males que nos assolam em relação aos quais somos, por gregários, cúmplices necessários.

Mas Érico, poeta de hoje, ultrapassa em largas profundezas influências e leituras, e se insere em novíssima linhagem antropofágica erótica, que pouco ou quase nada tem a ver com outras antropofagias, pois que é fruto de uma pós-modernidade que ainda está a merecer a sua Semana, a romper o cerco que lhe impõem os cansadiços acadêmicos, esquecidos, não sem alguma hipocrisia, o quanto os modernistas de primeira hora foram apupados pela crítica bem-posta da época. Antes de mais nada, a Literatura é feita de bons livros, livros que nos revelam em nossa humanidade.

Nessa perspectiva de revelação do humano, objeto primordial de toda a escrita, é que funda seus alicerces esta nova obra de Érico Braga, de sexualidades desbragadas, de furores viris, de escavação de poros objetivados em desejo profano, com humores e odores de thanatos, a encontrar, quem sabe, fazer encontrar, toda a força e a beleza da atividade erótica, e o quanto ainda nos custa, por humanos, demasiado humanos, vivê-las plenamente.

Apenas mais uma advertência, prezado leitor, prezada leitora: leve este livro para casa como se estivesse conduzindo objeto ilícito, e cuide para que sua leitura seja feita na mesma solidão dos meninos de uma geração que se esbaldava com os quadrinhos de Carlos Zéfiro - às escondidas, e com muito vigor cívico. Pois, no país das sacanagens, só há lugar para os sacanas..."

Roberto Pontes, poeta e professor de Literatura da UFC

"Especialista em Augusto dos Anjos, sua poesia homenageia este grande lírico brasileiro sem que nela se pressinta qualquer angústia de influência, permitam-me usar a expressão já consagrada de Harold Bloom. Sua poesia incomoda, desafia, mas não será a poesia de Érico uma devolução artística à sociedade daquilo que ela nos impõe? Não querem certos críticos que a Literatura, muito menos a Poesia, sejam um reflexo da inquietude do ser humano numa sociedade cada vez mais adversa? Ora, Georg Lukács tinha e continua tendo razão. Literatura é reflexo social, sim, que passa como a de Érico, pelo crivo pessoal de um autor consciente da importãncia do poema longo e se constitui em marca própria e estilo inconfundível. E este pode ser inquietante, mas, com certeza, é exclusivo."

Maurício Matos, poeta e doutor em Literatura Portuguesa, acerca de Cenas de Mortes Vulgares

"Penso que sou eu no vazio o ponto do queixo no peito é como um fade no desenrolar de Cenas de Mortes Vulgares, de Érico Braga Barbosa Lima. O verso descreve um pensador com o queixo no peito, um brônzeo Rodin boquiaberto diante do projetor de mortes. De fato, fica o espectador de queixo caído ante a narração do suicídio da puta, como se estivesse com os cotovelos apoiados sobre o mármore que, ao mesmo tempo, é a pia da sua cozinha e a lápide de seu epitáfio (Cenas XVII e XIX).

Nestas cenas, sucedem-se produtos de limpeza evocados como deuses, serpenteando ao longo das páginas desta poesia de qualidade singular. Engenhosamente, entrecruzam-se versos e leituras, como por exemplo:

       enjôo de enfiar o dedo no                                de mortes e o ralo não resolve o
       buraco da pia para desentupi-lo                       dedo não resolve só arqueiro verde

num puzzle poético, em que lemos os versos da primeira coluna antes de ler os da segunda - o que faz com que a leitura do poema volte um verso antes de prosseguir -, para chegar ao verde, complemento do arqueiro que será o agente da morte da puta, ao descer-lhe garganta abaixo como que para desentupi-l[a] / de mortes.

A mundana maravilha, a puta altaneira, a preciosa geni, fina rameira cortesã, a fêmea suprema, última e primeira, a máxima meretriz divina - que, quando se inclina, algo canta mais alto - teria talvez um eco temático em A Meretriz, de Augusto dos Anjos? Ou - quem sabe? - um Chico Buarque, revelado na preciosidade da comparação com sua geni? Ou - quem sabe ainda? - uma das inúmeras lendas, sempre tão verdadeiras, sobre a profissão mais antiga do mundo? Difícil dizer.

Entre o labirinto e a encruzilhada, é patente a presença de um processo poético singularíssimo nestas páginas. Érico Braga Barbosa Lima faz, em Cenas de Mortes Vulgares, uma poesia para ser assistida, atentamente assistida."